Portal de Conferências da UFRJ, III Jornada Interdisciplinar de Som e Música no Audiovisual 2018

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Da significação musical em Interestelar (2014): sonoridades, minimalismo e intertextualidade
Rodolfo Coelho de Souza, Juliano Oliveira

Última alteração: 2018-04-25

Resumo


Em diversas cenas do filme Interestelar (2014), a música assinada por Hans Zimmer é responsável pela geração de significados que colaboram decisivamente para a narrativa fílmica, não só complementando as imagens, mas adicionando sentidos próprios ao produto audiovisual.

Num primeiro nível, a trilha sonora busca alcançar efeitos significantes de Primeiridade Peircena através do impacto das qualidades sonoras. O exemplo mais evidente é o som do órgão, quase onipresente, que embora resulte de amostras gravadas, passa por processamentos de reverberação e filtragem para conotar características supernaturais. Assim o som de órgão de tubos ultrapassa sutilmente a conotação imediata de “música de igreja” para conotar religiosidade e sacralidade numa chave mais genérica que se coaduna com a capacidade humana de transcendência sugerida pelo roteiro. De igual importância é a trilha de foley que transforma sons ambientes em signos impactantes, tais como o ruído ensurdecedor (com frequências sub-áudio) do lançamento do foguete, as tempestades de areia, o som de relógios e outros objetos. Ou seja, a sonoridade primária carrega uma parte fundamental das significações do filme através da comunicação direta promovida pelos próprios timbres usados na trilha. A ênfase na intensidade e na grandiosidade da massa sonora ultrapassa as fronteiras da audição em direção à quase tatilidade para promover uma conotação especial de imersão.

Num segundo nível, atentamos para o estilo da música especialmente composta para o filme. Embora não use réplicas diretas do repertório, a trilha musical se apropria de uma carga prévia de significações trazidas principalmente pelo estilo minimalista, ou seja, recorre a tópicas compartilhadas a priori pelo público (drone, representação cinética, tempesta, ombra, pastoral, etc). Interestelar explora o estilo minimalista associando-o ao sentido de suspensão temporal e transcendência mística, aludindo ao tropos mântrico destacado por Leydon (2002). Conforme observa Chion (1995), o minimalismo, mediante ostinatos rítmicos e linhas melódicas com andamento lento, cria a sensação de fora do tempo.

Quanto à intertextualidade reconhecemos várias referências, entre elas várias a 2001: uma odisseia no espaço. Cenas no espaço sem som diegético e os efeitos sonoros especiais tornaram-se lugar-comum no gênero, mas a música de Interestelar também faz referência ao estilo neorromântico de Strauss em Assim falou Zarathustra, cuja partitura também utiliza o órgão e a sonoridade de cordas na música extradiegética das imagens do espaço, e às experimentações vocais de Ligeti que em Interestelar induziram Zimmer a usar o coro de forma experimental, gravando apenas os ruídos de respiração dos coristas. Além de 2001 é óbvia a influência de Koyaanisqatsi. Tal como naquele filme, a música de Interestelar percorre os três caminhos principais com que o minimalismo é utilizado no cinema, a saber, como signo de alteridade, mente matemática e distopia (Eaton 2008). O som do filme flerta a todo o momento com os significados de medo do tempo e medo da morte, mas sempre resolve a tensão dramática através de uma aura de afetividade. Essa aura congrega relações entre o universo humano e o mundo da ciência e da tecnologia que, na matriz ideológica norte-americana, irrompe como salvação para a espécie humana. Por isso a importância de uma sonoridade sempre mediada pela tecnologia tal como é usada na trilha sonora.