Última alteração: 2019-09-19
Resumo
Um filme surrealista de 1928 ganhou pelo menos quarenta trilhas sonoras distintas depois da virada do século XXI. Diversos artistas profissionais e amadores ao redor do mundo compuseram, por conta própria ou a convite de terceiros, novas trilhas para esse material. Numa época em que encontramos com certa facilidade eventos com exibição de filmes da era silenciosa do cinema (pré-1929) acompanhados de sonorização ao vivo, desde aqueles que aludem às técnicas empregadas nas salas de exibição daquela época até as novas tendências de soundpainting, o potencial que esses filmes têm parece estar sendo redescoberto. Da mesma maneira, a internet possibilita que artistas, profissionais e amadores ao redor do mundo componham suas próprias concepções sonoras para qualquer obra cinematográfica e divulguem seus trabalhos na rede, tornando-os acessíveis a uma infinidade de pessoas. Esse cenário de grande variedade de propostas sonoras para um mesmo filme trava um diálogo interessante com o que existia nas primeiras exibições de cinema, quando as produtoras ainda não detinham total controle sobre as trilhas sonoras das obras e a maior parte das decisões nesse campo eram tomadas pelos exibidores e os artistas que eles contratassem.
A Concha e o Clérigo (1928), dirigido por Germaine Dulac, é um dos inúmeros filmes silenciosos cujas informações a respeito de seu som original se perderam. Não se sabe sequer se chegou a haver uma proposta de sonorização para ele quando foi lançado ou se era pensado para ser assistido sem acompanhamento algum. O importante é perceber sua singularidade, tendo sido uma das primeiras empreitadas do Movimento Surrealista no cinema, com seu argumento e roteiro escritos por Antonin Artaud. Mesmo assim, esse mérito foi rapidamente apagado e o filme foi deixado de lado ao longo das décadas seguintes. Conforme voltou a despertar interesse no fim dos anos 1990, surgiu o problema de como pensar um som para acompanhá-lo, levando as distribuidoras, organizadores de festivais, cinematecas, museus ou salas de cinema que se propunham a lidar com o material a convidar artistas para sonorizá-lo, abrindo caminho para interpretações totalmente novas da obra. Outros artistas também se aproximaram de A Concha e o Clérigo sem precisarem de qualquer convite, trabalhando em cima do filme por motivos próprios.
Iniciou-se em 2018, para esta pesquisa, a empreitada de encontrar e catalogar todas as trilhas sonoras compostas para A Concha e o Clérigo depois do ano 2000 das quais fosse possível obter informações a respeito na internet. A partir das quarenta trilhas encontradas foram selecionadas sete para uma análise mais aprofundada. Foram levados diferentes critérios em consideração, algumas foram selecionadas pela repercussão que tiveram (como as de Imogen Heap, Iris ter Schiphorst e Steven Severin), outras pela originalidade da proposta (as de Juliana Hodkinson, Daniela Franco e 1nertiaticESP) e ou ainda por virem de artistas fora do eixo geográfico Estados Unidos – Europa (como a da banda argentina El Desamble). Os casos encontrados possuem as naturezas mais diversas e serão discutidos neste trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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