Licenciamento musical digital: trilhas disponíveis e compositores “anônimos”
Resumo
Por meio do licenciamento musical, os direitos de reprodução de uma obra musical são adquiridos para que ela possa ser utilizada na trilha sonora de uma obra audiovisual ou outra finalidade que não a do contexto original de sua produção (Pizzi, 2017). No processo de realização cinematográfica, o supervisor musical é o profissional que negocia a reprodução total ou parcial de músicas previamente gravadas.
Nos últimos anos, os compositores que, desde metade dos anos de 1990, com o liberalismo e a globalização econômica, constroem para si um perfil multifacetado e para além da formação musical – buscando conhecimento técnico para construir seus home studios, montando suas estações digitais de trabalho e colecionando sonoridades das mais diversas origens disponíveis na internet – têm a oportunidade de compor obras inéditas, a serem disponibilizadas em catálogos virtuais, numa atualização da dinâmica do licenciamento musical. Se antes artistas conhecidos e contratados por grandes gravadoras tinham seus fonogramas de sucesso comercializados para a utilização na trilha musical de um filme (Vicente, 2014), hoje testemunhamos compositores “anônimos” criando músicas de características genéricas destinadas a esses catálogos virtuais, buscando a utilização de suas peças em diversas obras audiovisuais.
Este estudo inicial busca pensar, por meio das possibilidades trazidas por novos modelos de negócio, as transformações do lugar do compositor musical no cinema a partir das alterações do processo de elaboração e realização da trilha musical – tradicionalmente iniciado pelo convite feito ao compositor pelo produtor e/ou diretor do filme e finalizado com a mixagem da música e sua junção aos demais elementos sonoros na mixagem final (Matos, 2014) –, em que a centralização da responsabilidade pela música original em todas as etapas de sua produção conhecidas até aqui tem como resultado não mais o engajamento vertical em uma narrativa cinematográfica específica, mas a participação em um grande e variado cardápio à disposição das mais diversas produções.
Nossa hipótese é a de que esta dinâmica pode alterar substancialmente o modo com o compositor de trilha musical original está inserido no cinema, uma vez que se dispensa a busca do entendimento, a partir de um vocabulário musical e cinematográfico compartilhados, entre diretor e compositor, para que se componha uma música que cumpra as necessidades narrativas e estéticas específicas de um filme (Nascimento, 2013; Gallo, 2015). Este processo pode ser substituído pela escolha de peças prontas, “genéricas” e disponíveis online, escolhidas pelo supervisor musical, para a decisão final do diretor.
Além do barateamento do processo – com a minimização da responsabilidade da produção do filme por etapas importantes da pós-produção sonora concernentes à música, como custos de gravação e mixagem –, estaríamos, de algum modo, retornando à segunda fase do cinema pré-sincronizado (CARRASCO, 1993), com as plataformas online atualizando o papel das grandes coletâneas musicais para filmes, fornecidas pelas editoras musicais do início do século XX? A partir de pesquisas bibliográficas e entrevistas com profissionais, investigamos as implicações imediatas para o compositor, bem como as consequências nas relações entre este e o diretor cinematográfico.